Cuidado com a criação
Irmão Christopher John é Ministro Geral da Sociedade de São Francisco. “Os franciscanos acreditam que nossa missão de cuidar de nossas irmãs e irmãos na criação inclui toda a criação”. É assim que o Irmão Christopher captou a crença motivadora deste projeto. Nas Ilhas Salomão, os irmãos franciscanos, juntamente com a comunidade, têm enfrentado a extração comercial extremamente destrutiva das florestas. Juntos, eles começaram a protestar contra o que está acontecendo. Esta é a história do começo desse desafio e os planos para o futuro, como conta o Irmão Christopher.

O que são / onde estão as Ilhas Salomão
As Ilhas Salomão são um arquipélago composto por seis ilhas principais e mais de 900 ilhas menores, a maioria desabitada, a leste de Papua Nova Guiné e a norte da Austrália. Algumas ilhas são montanhosas e rodeadas por atóis de coral, ao passo que outras não são mais que atóis baixos.

Mudanças climáticas
As ilhas já estão sofrendo as consequências das mudanças climáticas. À medida que os níveis do mar aumentam, as reservas de água ficam salinizadas. Os recifes de corais, que absorvem grande parte da energia das marés, se tornam menos eficazes. Isso causa erosão da costa e aumenta a pressão sobre a estreita faixa de terra costeira plana usada para moradia e cultivo. Assim, o aumento dos níveis do mar tem um impacto considerável no habitat humano. E a temperatura está aumentando com a redução das chuvas. Com isso, as mudanças climáticas são o assunto mais comentado das pessoas. Elas falam sobre isso. E falam sobre a derrubada das árvores nas ilhas, que tem um efeito direto no meio ambiente.

Derrubada de árvores
A derrubada de árvores para fins extrativos tem se tornado cada vez mais comum nas Ilhas Salomão. E não estamos falando apenas de cortar uma árvore aqui e ali. O uso tradicional da floresta era sustentável. Se você quisesse fazer uma canoa, cortaria uma árvore. Se precisasse de ramos para construir sua casa, pegaria o necessário. Foi assim por milhares de anos.
Isto é diferente. Isto é a derrubada total das árvores da floresta para fins comerciais. Nada fica de pé, porque é mais fácil simplesmente cortar tudo. E não existe replantio ou recuperação da terra. Eles simplesmente deixam um grande caos. Como irmãos franciscanos, estamos lá há 50 anos, em missão, indo de aldeia em aldeia. Vimos esse problema crescer e ficamos profundamente preocupados com o ambiente e o impacto social.

Os efeitos para o meio ambiente
O solo em torno dos rios e riachos sofreu erosão. Foram firmados acordos com as madeireiras
estabelecendo que elas devem manter certa distância dos cursos de águas. Mas, na prática, elas não fazem isso. A erosão do solo causa a sedimentação nos rios, o que torna a água imprópria para o consumo, além de ter impacto sobre a irrigação e as águas para pesca. Uma pessoa explicou a situação desta forma: “pescar dentro da baia é um problema agora, porque a lama está cobrindo os corais, causando sua morte. Mas as pessoas que gostam de desmatar não gostam de ouvir a nós, mulheres. Dizem que não se preocupam com essas coisas. Gostam de desmatar, gostam de desenvolvimento. Mas que tipo de desenvolvimento é esse, que destrói tudo? Isso é desenvolvimento? Ou é destruição?”
“Gostam de desmatar, gostam de desenvolvimento. Mas que tipo de desenvolvimento é esse, que destrói tudo?” E também ocorrem danos ao habitat para a caça. Existem danos para conseguir as folhas e ervas para os medicamentos tradicionais. O território desmatado inunda rapidamente quando chove, e o escoamento da lama aumenta os danos aos recifes e à pesca. E a remoção das árvores elimina um quebra-ventos vital, expondo a terra desmatada e as aldeias a ventos mais fortes, colocando em perigo a agricultura e trazendo um enorme risco para as áreas assentadas.
Então, os madeireiros também cortam as árvores menores para fazer pranchas para levar as árvores rio abaixo. As pranchas são tratadas com muitos litros de óleo diesel para que deslizem com mais facilidade. O resultado é poluição e perda da fertilidade do solo.

Impacto social e espiritual

Uma economia autossustentável foi subitamente transformada pelo dinheiro. E o efeito que isso tem em uma sociedade insular bastante tradicional é imenso, na vida social, mas também na vida espiritual. O senso de conexão com a terra se perde. A floresta faz parte de uma rede complexa que atende nossas necessidades e essa conexão foi rompida.
O consumo de álcool está entre os efeitos sociais. A cada quilômetro, mais ou menos, existe outro bar ou banca vendendo cerveja. Este é um acontecimento novo. E o consumo de álcool alimenta a violência doméstica. A violência baseada em gênero, a violência doméstica, está entre as maiores do mundo. 64% das mulheres com idades entre 15 e 49 anos relataram abuso físico e/ou sexual por um parceiro.
E o desmatamento traz conflitos. Dentro dos lares, dentro das aldeias e clãs, entre clãs e com a companhia. Como disse uma pessoa idosa da comunidade, “A derrubada de árvores polui a terra, o mar, os arbustos, o rio e ao mesmo tempo polui o relacionamento entre as pessoas. Todo mundo que é tocado pelo desmatamento fica poluído e possivelmente isso leva a conflitos”.
E existe exploração sexual. As meninas da aldeia frequentemente são tomadas pelos madeireiros para serem suas mulheres. E não existe proteção. Como explica uma pessoa da região, “existe segurança no tanque de armazenamento de toras, mas eles não prestam atenção às meninas que andam de um lado para o outro ou caminham até o campo de corte.
Eles são pagos para proteger as máquinas, e é o que fazem, mas ninguém protege nossas meninas”.
Sem benefícios. E por todo o dano que tem sido causado, o povo das Ilhas Salomão vê poucos benefícios, “eles levam todas as árvores e tudo que recebemos em troca são algumas folhas de árvores [um punhado de royalties]. É como se fôssemos cães de caça: os cães fazem todo o trabalho, mas tudo o que recebem são alguns ossos para comer, enquanto o caçador fica com a carne”.
Às vezes surgem promessas. Às vezes, as madeireiras podem construir um salão na aldeia ou uma igreja ou um local de reunião ou uma escola. Mas não é suficiente para compensar a perda da floresta.
O Papel da Igreja.
Como irmãos franciscanos, estamos envolvidos há 50 anos com o povo das aldeias e das áreas urbanas; com as/os pobres nas prisões; com as/os doentes nos hospitais; e na paróquia. De fato, nossa missão tem sido com as pessoas. Nosso 50º aniversário em 2020 foi uma oportunidade para refletirmos. E parte dessa reflexão foi que nossa missão tem sido principalmente com as pessoas. Mas na verdade, somos franciscanos. E São Francisco articulou o relacionamento que os seres humanos têm com toda a criação, que somos irmãos e irmãs; que fomos todas/os criadas/os pelo mesmo Deus. Assim, é nossa responsabilidade cuidar de nossas irmãs e irmãos na criação, pelo que são e por qual é o seu papel. Isso inclui toda a criação. Deus nos concedeu as árvores, e nós colhemos delas para atender nossas necessidades. Em troca, nós reinvestimos em plantá-las novamente, e Deus derrama suas bênçãos continuamente (em forma de chuva), devido à gestão ambiental adequada. E, como franciscanos, temos contatos sólidos com o povo das aldeias. Portanto, estamos em boa posição para sermos testemunhas das mudanças climáticas e dos abusos aos direitos humanos. E também, como franciscanos, fazemos parte de uma comunidade global. Isso nos permite comunicar o que testemunhamos. Esta foi a semente que cresceu em nosso projeto.

Processos na ONU.
Descobrimos que as Nações Unidas conduzem um processo chamado Revisão Periódica universal. A ONU o descreve como “um processo único, que envolve uma revisão periódica dos registros de direitos humanos em todos os 193 estados membros da ONU”. A cada quatro anos e meio, todos os países são analisados novamente. As Ilhas Salomão passariam pela próxima revisão em 2021.
Então, decidimos que estávamos em boa posição para apresentar as histórias dos Irmãos das ilhas para as Nações Unidas. Para isso, firmamos uma parceria com a Franciscans International: “A Franciscan International defende nas Nações Unidas a proteção da dignidade humana e a justiça ambiental”. Assim, estão no lugar perfeito para levar as histórias dos Irmãos à discussão e apresentá-las no formato adequado para a análise. Isso ajudaria a chamar a atenção para esses problemas e talvez ajudar a provocar alguma possibilidade de mudança na política do governo. E o que surgiu deste processo foi uma pequena vitória – das sete áreas principais que levantamos em nosso relatório, seis foram aceitas pelo governo das Ilhas Salomão. Esta aceitação representou um compromisso com melhorias, de fazer as coisas de um jeito melhor.
Toda esta experiência nos deu uma confiança ainda maior para nos envolvermos em novas atividades, como missões diplomáticas de lobby e participar do processo de Revisão Periódica Universal (RPU). Por exemplo, conseguimos marcar algumas reuniões com representantes diplomáticos na capital, Honiara, e discutir os problemas em primeira mão.

Parceiros.
Parcerias são importantes. Dominicans for Justice and Peace (Dominicanas/os pela Justiça e Paz, em português) é uma ONG na ONU que realiza um trabalho semelhante ao dos Franciscans International. Na verdade, as duas entidades compartilham o mesmo escritório. E, através dessa organização, fizemos contato com as Irmãs e Irmãos Dominicanas/os e algumas pessoas leigas nas Ilhas Salomão. Isso ampliou significativamente o alcance geográfico dos lugares cobertos por nossa rede.

Nossas metas para o longo prazo.
Em primeiro lugar, esperamos poder conseguir uma gestão muito melhor da floresta. Queremos interromper a destruição discriminada em massa e garantir que haja recuperação. E então, gostaríamos que a nação fosse mais beneficiada com o processo de extração de madeira. A exportação de toras redondas rende muito pouco para a economia local. O processamento da madeira antes da exportação traria muito mais benefícios. A exportação de toras redondas rende muito pouco para a economia local. O processamento da madeira antes da exportação traria muito mais benefícios.

Próxima fase

Nós percebemos que este é apenas o início do processo. Sem mecanismos de prestação de contas/responsabilização, será muito fácil alcançar pouco ou nada. Assim, estamos pensando em como fazer um acompanhamento. Agora, estamos realizando um treinamento sobre direitos humanos. Começamos usando o Zoom e esperamos ter alguma coisa presencial no final deste ano.
Também compreendemos que o governo não tem capacidade de monitoramento, não possui os recursos adequados. Mas a igreja tem redes brilhantes e confiáveis em todas as aldeias. As comunidades religiosas são muito integradas na vida da igreja e da aldeia, e são muito bem distribuídas. Com isso, podemos prestar um serviço valioso, treinando as pessoas sobre como monitorar e documentar violações dos contratos das madeireiras, por exemplo.
Ainda estamos nas etapas muito iniciais de desenvolvimento, mas temos um ponto de partida. Precisamos agora construir com base na aceitação que recebemos do governo. É fácil para o governo dizer sim, especialmente a alguma coisa que é para o futuro. Nossa esperança é que, consequentemente, muitas pessoas nas comunidades ficarão mais informadas. Elas estarão muito mais motivadas e comprometidas a responder aos desafios do reflorestamento e da proteção florestal, dos cuidados ambientais e da recuperação. E estarão mais preparadas para garantir que suas respostas sejam apropriadas e eficazes.
As futuras etapas do projeto podem envolver programas da missão para as aldeias, ensinar sobre os efeitos da extração de madeira sobre a vida humana, social e espiritual. E, de uma forma muito prática, os próprios irmãos sugeriram que, quando percorrerem as aldeias em missão, poderiam levar mudas e plantá-las, ensinando as pessoas sobre as árvores.
Demos os primeiros passos. E qualquer bem que façamos para a criação é uma bênção de algum tipo.