Bispa Marinez.
A Diocese Anglicana da Amazônia busca vivenciar as Marcas da Missão de forma integral e tem grande foco na quinta marca da missão, que nos convoca a salvaguardar a criação de Deus e lutar para salvar a vida humana.
O exemplo dado pelo engajamento da Comunhão Anglicana em movimentos de justiça ambiental, como a campanha Renovar nosso Mundo e Tempo da Criação, e também o desejo de viver as Marcas da Missão de uma forma mais profunda e ser a Igreja de Deus para o Mundo de Deus na Amazônia, nos levou a entender que somos chamadas/os a orar e a agir para uma mudança de comportamento, conscientização e justiça ambiental, e somos também desafiadas/os a fazer um trabalho de conscientização sobre as mudanças climáticas, profeticamente denunciando tudo o que destrói a vida em nosso planeta.
Conviver com as pessoas da região amazônica nos despertou para nosso relacionamento com a terra, com a criação de Deus. Nós, seres humanos, temos a responsabilidade essencial de cuidar da criação, e este também é um compromisso com o Evangelho de Cristo. Para ser a Igreja de Deus para o Mundo de Deus nesta região, é preciso ter compromisso com a “Cultura da Vida”, para o resgate da dignidade, justiça, paz e preservação socioambiental – frutos da experiência de amor, de acordo com o mandamento de Cristo. Para nós, cuidar de problemas socioambientais da região amazônica é ser Igreja; cuidar do meio ambiente é ser Igreja, cuidar das pessoas que vivem neste ambiente é como vivemos nossa fé.
Aprendemos com os povos indígenas da Amazônia que a terra é sagrada, que os territórios são sagrados e são como extensões de nossos corpos. Eles são parte do que é sagrado. Na relação com os povos da floresta (povos originários da Amazônia) entramos em contato com uma teologia ecológica e passamos a entender que somos parte do todo, parte da teia que é a criação de Deus e entendemos que quando a criação é violentada, degradada, nossos corpos também são violentados, degradados. Compreendemos que levantar nossa voz contra as injustiças climáticas, contra as injustiças socioambientais, não é puramente uma ação ideológica, mas uma ação evangélica, isto é, faz parte de nosso discipulado e da experiência de fé. Nossos projetos desenvolvidos na área de justiça ambiental têm forte impacto em nosso modo de ser Igreja, têm impacto na forma de nossa celebração e de nossa espiritualidade. Além disso, os elementos da cultura local impactam a forma de nossas celebrações, as músicas, os instrumentos e objetos fazem parte de nosso sagrado.

Histórico.
A região amazônica brasileira é uma das maiores florestas tropicais e biomas do mundo, com uma biodiversidade única. A região é habitada por povos que têm uma rica cultura e costumes. Paradoxalmente, é também uma região de enormes desigualdades e o governo sempre deixou de cumprir as suas obrigações.
O Brasil de forma geral, e especialmente a Amazônia, sofre grande impacto devido a um processo de necropolítica (política de morte) que visa esmagar as estruturas de proteção e cuidados ambientais, e os direitos das populações mais vulneráveis.
O governo atual já havia começado a desmantelar a proteção ambiental, mas usou a pandemia como oportunidade para acelerar o processo. Os órgãos de proteção ambiental foram sucateados, a vigilância foi enfraquecida e as normas e leis de proteção ambiental foram sistematicamente liberalizadas e enfraquecidas. Consequentemente, a mineração invadiu terras indígenas que antes eram preservadas. Os rios ficaram poluídos com metais pesados, matando os peixes e prejudicando a saúde das populações ribeirinhas, povos indígenas e quilombolas (comunidades seguras de ex-escravos). A extração ilegal da madeira nativa aumentou, e o desmatamento cresceu mais de 200%, atingindo o recorde de 1.046 quilômetros quadrados em 2021. Foram registradas milhares de queimadas.
Tudo isso tem forte impacto em toda a região amazônica, causando mudanças drásticas, trazendo degradação de paraísos ambientais, aumento das enchentes no sudeste, norte e nordeste do Brasil, e seca extrema na região sul, chegando a causar uma crise hídrica no país.
Essa absoluta falta de compromisso com a preservação, cuidado e defesa da vida tem impactos devastadores na natureza e levou à morte e perseguição de líderes indígenas, outros povos indígenas (comunidades ribeirinhas e quilombolas) e ambientalistas.
Uma das estratégias elaboradas pela Diocese Anglicana da Amazônia foi a criação de espaços para diálogo pedagógico e formação sociopolítica de forma a contribuir para impulsionar a sociedade na renovação de suas crenças e valores.

Projeto Plantando Vidas
O projeto Plantando Vidas é uma iniciativa ecumênica com dois pilares:
• Revitalização de viveiros para o cultivo e distribuição de mudas de árvores nativas para reflorestamento.
• Desenvolvimento de hortas comunitárias e viveiros de plantas medicinais.
O projeto ainda está nas fases iniciais, e surgiu de um diálogo entre a Diocese Anglicana da Amazônia, a Koinonia (uma organização baseada na fé) e o Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB), como uma estratégia para resistir e enfrentar a crise civilizatória que o Brasil atravessa – a pandemia, a crise econômica, a ausência de garantia dos direitos sociais básicos, a crise ambiental, as atividades de extração predatória e as violações dos direitos humanos.

Metas
O projeto visa contestar e mudar atitudes e comportamentos, bem como obter resultados mais concretos / físicos. Os resultados desejados incluem:

• a criação de espaços para o diálogo e discussão sobre justiça socioambiental,
• expor os impactos negativos causados pelo relaxamento das leis de proteção ambiental à diversidade amazônica e aos povos tradicionais (indígenas, quilombolas e população ribeirinha),
•dar visibilidade aos impactos das mudanças climáticas nas vidas das populações mais vulneráveis, especialmente mulheres, jovens e crianças;
• conscientizar sobre a importância de cuidar e preservar as espécies de árvores nativas – como um legado e também como algo para passar para as futuras gerações, e sobre a necessidade de uma mudança de atitude e a adoção de hábitos sustentáveis;
• a produção, cultivo e distribuição de mudas de árvores para reflorestamento, tanto como ação prática e ato para despertar a conscientização pública e advocacy;
• resgatar o uso de ervas medicinais e conscientizar sobre a importância da medicina tradicional indígena;
• cultivar hortas comunitárias orgânicas como fonte de alimentos e para a economia social das populações indígenas e imigrantes indígenas da Venezuela.

O projeto tem um público-alvo direto de aproximadamente 121 famílias indígenas venezuelanas Waraos em Belém e 100 famílias em Manaus e sua região metropolitana.

Atividades e Resultados:

Até o momento, os resultados positivos incluíram a revitalização de um viveiro de mudas na sede do Movimento República de Emaús, a produção e transplante de mudas para serem distribuídas, o plantio de mudas na Reunião da Juventude da Área Provincial III do Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, a construção de dois viveiros de ervas medicinais e uma horta orgânica. Além disso, foram realizadas mesas redondas sobre a importância de preservar as espécies nativas, justiça socioambiental, e sobre economia solidária.
Realização de uma roda de conversa sobre justiça socioambiental, e ciclos de capacitação sobre “associativismo” e economia social. Associativismo é um conceito brasileiro que significa cooperação coletiva, ou realização de parcerias e um símbolo de liberdade para associar

Desafios
Os desafios enfrentados incluem as limitações impostas pela pandemia de Covid 19, as ameaças diárias à vida e ao ambiente na Amazônia (como queimadas, desmatamento e violência contra ambientalistas, direitos humanos, ativistas, líderes de comunidades indígenas e agentes de movimentos sociais), os parcos recursos financeiros para realizar os trabalhos, a dificuldade de deslocamento na região amazônica e a vulnerabilidade do público-alvo.

Aprendizado:
Por meio deste projeto, estamos aprendendo que nosso papel como a Igreja de Cristo estabelecida nesta região diversa é unir forças em discussões sobre a necessidade de cuidar de nossa biodiversidade, ter foco na realidade de nossas vidas, construir uma nova era com maior consciência de que precisamos preservar a natureza e preservar as vidas das comunidades originais (indígenas, população ribeirinha, quilombolas) que vivem na região e que são importantes para a preservação de nosso Lar Comum. Queremos realizar mais discussões sobre as mudanças climáticas e seus impactos em nossa biodiversidade e as vidas das comunidades em nossa região. Queremos também levantar nossas vozes e denunciar os processos de desarticulação das políticas sociais e ambientais, o sucateamento dos órgãos de proteção ambiental e violações dos direitos das populações indígenas.

Projeto Justiça Econômica e Identidade Indígena
Este projeto tem como objetivo empoderar as mulheres indígenas que vivem em contextos urbanos. Grande parte dos povos indígenas foi forçada a viver em áreas urbanas na periferia de grandes cidades como Manaus e Belém, expulsos de seus territórios pela chegada de colonizadores. Muitos desaprenderam sua língua nativa e foram forçados a abandonar sua cultura.
O racismo estrutural faz com que as pessoas se envergonhem de suas origens, levando inúmeros povos indígenas a negar sua identidade. Isso tem um impacto dramático na vida das pessoas e é uma forma de violência contra elas.
Ao mesmo tempo, existe uma ideia estereotipada de que apenas quem vive em uma aldeia ou comunidade isolada é uma/um indígena “pura/o”. Há uma necessidade urgente de falar sobre a identidade indígena e resgatar e respeitar a diversidade dessa cultura.

Objetivos e Atividades:
Este projeto visa empoderar mulheres indígenas através da geração de uma “economia solidária”, com o fortalecimento de seu senso de identificação com sua cultura indígena e preparando-as para ler a realidade de forma crítica. O projeto tem um público-alvo de 60 artesãs indígenas.
As atividades incluem a confecção de artesanatos indígenas para a geração de renda e a construção de “redes de associativismo” para comercialização conjunta. Essas atividades econômicas também abrem espaço para conversa e formação sobre análise contextual e compreensão crítica da realidade indígena no contexto urbano.

Resultados:
Este projeto está em andamento desde 2018 e resultou na reintegração das artesãs indígenas com os aspectos de sua cultura que eram negligenciados por viverem em um contexto urbano. Entre os destaques estão o resgate da língua nativa, a consciência de que fazer um artesanato ancestral é um instrumento de resiliência e geração de renda, e a expansão das redes de associativismo e da economia social.

Desafios:
Os desafios incluem o efeito limitante da pandemia de Covid 19, que impediu a realização de atividades presenciais entre 2020 e 2000, os poucos recursos financeiros, os altos custos e dificuldades de mobilidade na Amazônia, as violações dos direitos dos povos indígenas da região, o enfraquecimento das políticas públicas de proteção aos povos indígenas, e a vulnerabilidade das mulheres indígenas que vivem em áreas urbanas.

Curso de Educadoras/es Populares na Amazônia
Objetivo:
Fortalecer a luta pelos direitos econômicos, sociais, culturais, humanos e ambientais, por meio da formação de educadoras/es sociais, a partir de uma concepção de educação popular e sociopolítica (Paulo Freire), baseada em uma visão teológica libertadora, comprometida com a justiça social, econômica e ambiental e na construção de uma sociedade igualitária, solidária e justa.

Atividades do Curso de Educadoras/es Sociais na Amazônia:
Este é um curso anual realizado entre março e novembro com cinco horas de atividades, sempre aos sábados. Seu objetivo é capacitar as/os participantes em projetos de desenvolvimento comunitário e advocacy. Ele cobre áreas de defesa de direitos humanos e ambientais, a defesa da Amazônia e a construção de uma sociedade democrática e solidária.

Resultados:
Agora em sua 7ª edição, este é um curso com forte impacto social, que capacita 35 educadoras/es todos os anos. Líderes sociais foram empoderadas/os, o número de agentes de mudança na região metropolitana de Belém aumentou e os projetos de desenvolvimento para o benefício das pessoas que estão à margem do sistema político e econômico se multiplicaram.

Aprendizado:
Ao longo dos 7 anos de existência do Curso de Educadoras/es Populares, vimos que a formação e capacitação de líderes populares as/os leva a disseminar e fortalecer um processo dinâmico que impacta as vidas das comunidades em que vivem, promovendo um amplo processo de advocacy e transformação. Também aprendemos que, em tempos de crise, perda e violação de direitos (como a que vivemos hoje no Brasil), o curso se torna ainda mais fundamental para a criação de estratégias para enfrentar desigualdades e fortalecer um movimento de resistência e resiliência. Aprendemos que para ser educadora social, a pessoa precisa ser, antes de tudo, comprometida com a defesa da dignidade humana e do meio ambiente, para que isso mude a mentalidade da juventude, da família e de sua comunidade local.

Desafios:
A limitação de vagas (temos capacidade de receber 35 estudantes a cada edição do Curso), o contexto de violência ao qual a população das periferias da região amazônica está sujeita, as limitações impostas pela pandemia de Covid 19, que impactaram diretamente o formato do curso nos anos de 2020 e 2021, com a realização dos módulos no formato online; a desigualdade/exclusão digital impediu o acesso de muitos estudantes devido à pandemia, dificuldades de mobilidade na Amazônia.

Parceiros:
Os parceiros nestes 3 projetos são:
• UNIPOP (Universidade Popular – ONG)
• MAB (Movimento dos Atingidos por Enchentes)
• CAC (Centro de Apoio à Cultura)
• Koinonia (uma organização baseada na fé)
•Rede Amazonize
• Diocese Episcopal da Califórnia
• PWRDF (Fundo do Primaz para Emergências e Desenvolvimento)
• Fundo da Comunhão Anglicana
• SADD (Serviço Anglicano de Diaconia e Desenvolvimento)
• AMARN (Associação das Mulheres do Alto Rio Negro).